História da Sé


CRONOLOGIA SUCINTA DA PARÓQUIA DA SÉ

1485 - D. Manuel, donatário do arquipélago da Madeira, doou, ao município do Funchal, um chão, no denominado Campo de Duque, para construção de uma Igreja, praça e casa do concelho.

D. Manuel, donee of Madeira, donated to the city of Funchal, a floor, in the denominated Duke Field, to build a church, a square and a home of the county.

D. Manuel, donataire de l'archipel de Madère, a donné, au municipe de Funchal, un terrain, dans un endroit appelé Campo do Duque, pour la construction d'une Église, place publique et mairie.

D. Manuel (Beschenkter) des Archipels von Madeira, schenkt der Gemeinde Funchal ein Grundstuck des Namens Campo do Duque, für den Bau einer Kirche, Platz und Rathaus.


1493 - Início da construção, sob a direção do mestre Pêro Anes.

Start of the construction under the direction of the master Pêro Anes .

Début de la construction de la Cathédrale sous la direction du maître Pêro Anes.

Begann der Bau, durch Leitung des Baumeisters Pêro Anes .


1508 - Bênção da nova Igreja pelo bispo titular D. João Lobo. A paróquia de Santa Maria do Calhau foi extinta, sendo transferida para a nova Igreja. Elevação da vila do Funchal a cidade.

Blessing of the new church by the Titular Bishop D. João Lobo. The parish of "Santa Maria do Calhau" was extinguished, being transferred to the new church. Elevation of the village of Funchal to City.

Bénédiction de la nouvelle Église par l'évêque D. João Lobo. La paroisse de Sainte Marie du Calhau a été supprimée au profit de la nouvelle Église, siège de la Paroisse. Institution du village de Funchal comme nouvelle ville.

Weihung der neuen Kirche durch den Bischof D. João Lobo. Die Gemeinde von Santa Maria do Calhau wurde aufgelöst, und der neuen Kirche übertragen. Die Kleinstadt Funchal, würde zur Stadt erhoben.


1512 - Retábulo da Sé.

Altarpiece of the Sé Cathedral.

Mise en place du Retable de la Cathédrale.

Rektabel der Kathedrale


1514 - Criação da Diocese do Funchal pelo Papa Leão X, sendo nomeado primeiro bispo, D. Diogo Pinheiro. O extenso território do novo bispado abrangia todas as terras descobertas pelos portugueses.

Creation of the Diocese of Funchal by Pope Leo X, being appointed first bishop, D. Diogo Pinheiro. The vast territory of the new bishopric included all the lands discovered by the Portuguese.

Création du Diocèse de Funchal par le Pape Léon Xm qui a nommé comme son premier évêque D. Diogo Pinheiro. L'immense territoire du nouvel évêché comportait toutes les terres découvertes par les portugais à cette époque.

Gründung der Diözese Funchal durch Papst Leão X, ernannt erster Bischofs des Namens D. Diogo Pinheiro. Der weite Verwaltungsbezirk des neuen Bistums, Umfasste alle Länder entdeckt durch die Portugiesen.


1517 - Consagração da Catedral.

Consecration of the Cathedral.

Dédicace de la Cathédrale.

Einweihung der Kathedrale.


1523 - No coro da Sé, S. Tiago Menor é proclamado protetor e defensor da cidade pelo capitão do Funchal, oficiais do concelho, mesteres, cidadãos, povo, deão e cabido.

In the choir of the Cathedral, S. James Minor is proclaimed protector and defender of the city by the captain of Funchal, county officials, trades, citizens, people, dean and the Cathedral Chapter.

Au maître autel, S. Jacques le mineur, est proclamé protecteur et défenseur de la ville par le capitaine de Funchal, les officiers du Conseil de la ville, les citoyens, le doyen et le chapitre de la Cathédrale.

Im Chor der Kathedrale des Heilige Tiago Menor, wurde durch den Hauptmann Funchals, Ratsoffiziere, Meister, Bürger, Volk, Dechant und Domkapitel, als Beschützer und Verteidiger der Stadt proklamiert.


1533 - Elevação da diocese funchalense à dignidade metropolítica. Nomeação de D. Martinho de Portugal como Arcebispo do Funchal.

Rise of the Diocese of Funchal to the metropolite dignity. Appointment of D. Martinho de Portugal as Archbishop of Funchal.

Élévation du Diocèse de Funchal au rang d'archevêché. Nomination de D. Martinho de Portugal comme premier archevêque de Funchal.

Erhebung der Diözese Funchal zur kirchlichen Hauptstadt. Nominierung von D. Martinho de Portugal als Erzbischofs Funchals.


1551 - Supressão do arcebispado do Funchal.

Abolition of the Archbishopric of Funchal.

Suppression de l'archevêché de Funchal.

Aufhebung des Erzbischofstums Funchals.


1578 - Reuniu na Sé o primeiro Sínodo da Diocese do Funchal, sendo bispo D. Jerónimo Barreto.

The first Synod of the Diocese of Funchal had met at the Cathedral, being Bishop D. Jerónimo Barreto.

Le premier Synode du Diocèse a été réuni dans la cathédrale, étant évêque du diocèse D. Jerónimo Barreto.

Versammelte sich in der Kathedrale die erste Synode der Diözese von Funchal zur dieser Zeit, war Bischof D. Jerónimo Barreto.


1732 - 1737 - Construção da nova Sacristia, junto à torre sineira e da casa do Cabido pelo mestre das obras reais, Diogo Filipe Garcês.

Construction of the new sacristy, next to the bell tower, and the house of the Chapter by the Master of the Royal Works, Diogo Filipe Garcês.

Construction de la nouvelle sacristie, près du clocher et de la maison du Chapitre de la Cathédrale par le maître d'œuvre du roi, Diogo Filipe Garcês.

Bau der neuen Sakristei am Glockenturm, und des Hauses des Domkapitels, durch den königlichen Meisters, Diogo Filipe Garcês.


1790 - 1800 - Remoção de sete dos nove altares do cruzeiro; deslocação das duas portas travessas; construção de seis altares nas naves laterais e de dois janelões com a respetiva varanda na fachada principal. Construção do atual coro, junto à porta principal.

Removal of seven of the nine altars of the cross; displacement of the two side doors, construction of six altars in the aisles, and two big windows with respective balcony in its main façade. Building of the today choir, by the front door.

Déplacement de plusieurs autels vers les nefs latérales et ouverture de deux portes latérales; Ouverture également de deux grandes fenêtres dans le fronton de la Cathédrale avec une véranda contiguë.

Versetzung der sieben von neun Kreuz-Altaren; Verlegung der zwei Querbalken Türen; Bau von sechs Altaren in den seitlichen Schiffen und Zwei grossen Fenstern mit der respektiven Veranda an der prinzipiellen Fassade. Bau des aktuellen Chores am Haupteingang.


1910 - Classificação como Monumento nacional.

Classification as a National Monument.

Classement comme monument national.

Wurde die Kathedrale als Nationales Monument eingestuft.


1937 - Aquisição do atual órgão do coro alto, de tipo orquestral, romântico e de fabrico inglês.

Acquisition of the current organ, of orchestral type, romantic and made in England.

Acquisition de l'orgue actuel de fabrication anglaise.

Erwerbung der aktuellen Orgel, des Typs Orchestral, romantisch und englischer Bauart.


1954 - Eliminação dos janelões da frontaria e respetivo varandim.

Elimination of the large windows of its façade and respective balcony

Élimination des grandes fenêtres du fronton de la Cathédrale et du respectif balcon.

Beseitigung der grossen Fenster an der Front und dem respektiven Balkon.


1991 - Visita de Sua Santidade o Papa João Paulo II.

Visit of His Holiness Pope John Paul II.

Visite de sa sainteté le Pape Jean Paul II.

Besuch Ihrer Heiligkeit des Papstes Johannes Paulus II.


2008 - Aniversário dos 500 anos da Paróquia.

Anniversary of the 500 years of the Parish.

Anniversaire des 500 ans de la Paroisse.

500ster Jahrestag der Gemeinde Nossa Senhora da Assunção.


A Sé do Funchal é o mais importante conjunto patrimonial religioso da Madeira. Construída e sagrada como tal na época áurea da expansão portuguesa e europeia, foi dotada com aquilo que de melhor o rei de Portugal pôde enviar para a Ilha e que, nos anos seguintes, os seus quadros, ou seja, bispo, cabido e demais ministros eclesiásticos, mas também a população, através das confrarias e de ações individuais, preservaram e aumentaram. 


Desde 1486 que o duque D. Manuel criara uma série de receitas para as novas obras do Funchal, com a especial indicação de serem para a "igreja que, presando a Deus, se há-de fazer", determinando a partir de 1488 que houvesse mesma na câmara municipal um recebedor para esse dinheiro.  

No dia 14 de maio de 1493 o duque determina o começo da construção da tão desejada "igreja grande", nomeando João Gomes para vedor da obra a realizar, a quem se seguiu Bárbaro Gomes Ferreira, seu filho, na morte do pai em 1495.

A igreja nova teve como mestre de obras João Gonçalves que seguramente é o autor da primeira fase dos trabalhos, com destaque para a torre de cariz militar, mas entretanto substituído por Pero Anes, que acabaria o edifício.


Nesse quadro, só depois da subida ao trono de D. Manuel, em 25 de outubro de 1495, se começou a pressionar decisivamente para a executar as obras da nova igreja e só com a definição concreta da Coroa portuguesa no quadro ibérico se passou a contemplar um projeto mais alargado, de criação de uma diocese, o que se equacionava havia mais de 20 anos. O rei D. Manuel era primo direito da rainha de Castela, Isabel, a Católica (1451-1504), casada com Fernando de Aragão (1479-1516). Com o falecimento do infante D. Afonso, filho de D. João II e legítimo herdeiro da coroa, subiu ao trono D. Manuel, que se casou com a viúva do infante, filha mais velha dos Reis Católicos, pelo que, em 1498, o casal chegou a ser jurado herdeiro dos tronos de Castela e de Aragão. Entretanto, falecendo a rainha de parto e, pouco depois, o jovem príncipe, a sucessão dos senhorios desses reinos ibéricos passou para a outra irmã e para o filho, o futuro imperador Carlos V. Mas, mantendo-se em Roma o papa Alexandre VI (1431-1503), nascido Rodrigo de Bórgia e que fora arcebispo de Valência, especial defensor dos interesses dos Reis Católicos, foi preciso aguardar mais algum tempo para poder negociar a criação de uma diocese ultramarina em Portugal.

Em 1508 a igreja nova era benzida por D. João Lobo, bispo de Tânger e em, 1512 o agora rei venturoro, D. Manuel I, mandava cativar uma verba para pagamento do retábulo, então em execução, por certo, nas oficinas régias de ´Évora e Lisbo

A "igreja principal" seria elevada a sé da nova diocese portuguesa pela bula Pro excelllenti proeminentia do Papa Leão X, de 12 de junho de 1514, sendo provido como primeiro Bispo, o prior de Tomar, D. Diogo Pinheiro. D. Manuel recebe, também, do Papa, o poder de indicar a pessoa idónea para Bispo do Funchal.

No dia 18 de outubro de 1517, dia de São Lucas, D. Duarte, Bispo de Dume sagrava o altar da nova Sé em nome de Nossa Senhora e das Onze Mil Virgens.


Os serviços religiosos começaram a funcionar na nova igreja em 1512, data em que também foi referida a necessidade de cativar verbas para o retábulo, devendo o mesmo estar a ser montado com o cadeiral dois anos depois. Esta informação coloca em causa a longa tradição histórica das "ofertas" do magnânimo rei D. Manuel, pois grande parte das obras acabou por ser paga pelos rendimentos da Ilha e pelos vários impostos criados especialmente para esse efeito. Mais tarde, quando D. João III mandou entregar ao cabido do Funchal, em 1528, o conjunto de alfaias encomendadas pelo pai, do qual faz parte a magnífica cruz processional, as mesmas vieram acompanhadas do peso da prata e da conta "do feitio" de cada peça (ANTT, Cabido..., avulsos, mç. 7), com certeza, para tudo ser descontado nas contas da fábrica da sé. 



A Sé do Funchal é uma igreja de três naves com transepto somente definido em planta, com ampla nave central e largo transepto, o mais largo das catedrais portuguesas. De tudo isto resulta uma edificação clara e luminosa, destacando-se também a inteligência e singularidade da aplicação dos materiais locais que caracterizam o modelo corrente português de arquitetura chã, uma arquitetura despojada, repetida e apurada na infinita variação local de igrejas mais ou menos comuns, mas algumas depois instituídas em sés.

O aumento da dimensão da nave central e do transepto apontam já o decidido propósito ducal ou real de a tornar, futuramente, sede do bispado dos Descobrimentos. A cobertura das naves e do transepto por um magnífico conjunto de tetos mudéjares (Tetos de alfarge), o mais monumental que chegou aos nossos dias em Portugal, tal como a montagem, na capela-mor, de um aparatoso retábulo e de um cadeiral, evidenciam, decididamente, o intento manuelino de levantar uma igreja primaz das Índias Orientais e Ocidentais.

O conjunto da Sé do Funchal assenta numa plataforma nivelada, constituída por um adro gradeado, razoavelmente amplo, com a fachada principal virada a poente, aspeto obrigatório até ao Concílio de Trento, localização onde se veio a colocar a estátua do papa João Paulo II, que aí esteve em 12 de maio de 1991. O pano central é totalmente em cantaria vermelha aparente do cabo Girão, ligeiramente relevado em relação aos laterais, com um pequeno portal de seis arquivoltas, envolvido por arco relevado, rematado superiormente pelo que parece ser uma copa ou uma custódia, encimada pelas armas de D. Manuel com coroa aberta. Superiormente, apresenta uma pequena rosácea com grilhagem radiante centrada numa pequena cruz de Cristo, sendo rematada por cimalha de cantaria e, igualmente, pela cruz de Cristo. Os panos laterais são cegos, caiados e estão rematados, lateralmente, por fortes cunhais de cantaria aparente.

As fachadas laterais das naves apresentam quatro janelas em forma de fresta, que se repetem no clerestório, ou seja, na parte superior da nave central, aí com colunelos decorados, de que restam vestígios, e existe um largo janelão quadrangular a iluminar o batistério, a norte, provavelmente, algo posterior. Todas as janelas são da construção inicial, embora as paredes tenham sido reforçadas nas obras de 1790 para a reposição dos altares das confrarias, nessa altura, foram feitos os portais neoclássicos, atribuíveis ao pintor e arquiteto de origem canária António Vila Vicêncio (c. 1730-1796), então mestre das obras reais.

O adro serviu também de cemitério, talvez nos meados do séc. XVIII, quando se limitou ao máximo os enterramentos no interior dos templos, aparecendo quase sempre restos de ossadas quando se processam obras nessas áreas. No lajeamento, foram utilizadas algumas pedras tumulares provenientes do interior da sé, mas a maioria das inscrições terão sido bujardadas. Escapou um pequeno fragmento na área norte, com escrita gótica, mas quase impossível de ler, provavelmente, é das mais antigas lápides da sé. Para os degraus da porta sul também foram utilizadas lápides sepulcrais antigas, uma das quais muito curiosa, porque dupla. A inscrição refere ser da sepultura de Manuel Vieira Jardim, mulher e herdeiros, e de Pedro Vaz, mercador e, igualmente, mulher e herdeiros, tudo famílias de cristãos-novos dos meados do séc. XVI. A sua colocação fora do edifício da sé e como degrau da porta parece indiciar que, mesmo nos finais do séc. XVIII, o estigma de cristão-novo se mantinha.

O transepto tem um grande impacto visual e apresenta janelões, já de alguma dimensão, nas paredes laterais, tendo o virado a poente, do braço norte, capitéis com esferas armilares; os do braço oposto são mais simples e, um deles, foi aberto em campanha de obras bastante posterior. As fachadas sul e norte têm pequenas rosáceas, semelhantes à da fachada poente. O janelão poente do braço norte do transepto ainda apresenta, interiormente, moldura polilobada de tradição tardo-gótica que deverá ter tido correspondência no braço sul, mas que sucessivas obras de reabilitação terão feito desaparecer.

A cabeceira apresenta-se toda em cantaria aparente e é composta por abside de topo facetado, com quatro contrafortes repostos nas campanhas de obras dos meados do séc. XX, altura em que foram também repostas as frestas de arcos apontados, então dotadas de vitrais de Joaquim Rebocho (1912-?), datados de 1959. O absidíolo da atual capela do Santíssimo é igualmente reforçado por contrafortes escalonados, rematado por uma grelha decorada com cruzes de Cristo e encimada por grandes pináculos torsos, sendo o remate da inicial capela de Santiago, a norte, uma reposição conjetural, efetuada na campanha de 1950.

A direção das obras gerais de levantamento das paredes da sé e da torre parecem ter sido da responsabilidade do mestre João Gonçalves, entre 1492 e 1503, ano em que se deslocou a Lisboa, como referimos, e parece não ter voltado à Ilha. No entanto, nos anos seguintes, a direção foi assumida por Pêro Anes que, além das obras da sé, se encarregou, a partir de 1514, das da alfândega (Alfândega nova). Destes factos, resultam duas leituras totalmente diferentes da sé: exteriormente, vemos um edifício fechado e marcadamente de uma ordem militar, em especial, na desmesurada torre sineira medieval, coroada com ameias e merlões piramidais, e interiormente, um elegante e luminoso conjunto, sobretudo na articulação das altas colunas de suporte dos magníficos tetos de alfarge.

Cf. https://aprenderamadeira.net/se-do-funchal/



Párocos da Sé:

Desde a criação até 1961 o Pároco da Sé era o próprio Cabido da Catedral.

Vigário da Sé: Cónego Ribeiro - 14/10/1956. 

Primeiro Pároco: Cónego Jorge - Junho de 1961

Segundo Pároco: Cónego Damasceno 15/10/1967 - Dispensado em 01/01/2003

Terceiro Pároco: Cónego Manuel Martins - 24/09/2003

Quarto Pároco: Cónego Vítor Gomes - 24/09/2003 à 30/09/2006; 05/09/2009 à 20/09/2020

Quinto Pároco: Cónego Marcos Gonçalves-  de 20 de setembro de 2020...



A 18 de Outubro de 2017, a Sé do Funchal celebrou os 500 anos da sua dedicação. Nos princípios do século XVI, mais precisamente a 12 de Junho de 1514, era criada a diocese do Funchal, Igreja particular dotada de bispo próprio que na altura foi o prior da Ordem de Cristo de Tomar, D. Diogo Pinheiro. Porém, no momento da constituição da Diocese, a futura Catedral, então chamada a «Igreja grande», já estava em construção. Em 1517, com a sua dedicação, ela tornou-se a Igreja na qual o bispo da diocese tem a sua Sede ou Cátedra, sinal do seu ministério de sucessor dos Apóstolos, enviado para ensinar, santificar e governar o povo de Deus que vive na Madeira

A história, a nossa pessoal e a da sociedade em que vivemos, modela a nossa identidade. Sem história, não há identidade uma vez que o sentido da nossa vida tem a ver com a nossa história pessoal e colectiva. A história da nossa ilha está marcada na cultura e nas instituições (e não apenas religiosas) pela fé dos cristãos, os de ontem e os de hoje. A fé é dom de Deus que dá sentido e orientação à nossa vida mas para que isso aconteça é preciso que estes dons sejam recebidos e transmitidos de muitas formas, através do anúncio da Palavra de Deus, dos sacramentos e do exemplo de vida das famílias.

A construção duma Igreja, mais ainda se se trata duma futura Catedral, é objecto das aspirações dos cristãos que aí põem e aí deixam um pouco da sua vida. Os cristãos de cada época, desde o século XVI até ao século XXI, puseram a sua marca na Catedral, não só mantendo-a como uma manifestação viva da Igreja mas também gravando aí a marca das suas iniciativas e das suas devoções inscritas na pedra e na arte sacra, através de realizações que podemos supor mais ou menos bem conseguidas. Em todo o caso, elas são no seu conjunto objecto do nosso respeito porque mostram os traços concretos da fé dos cristãos em cada tempo.

No início da povoação do Funchal, a vida cristã centrou-se à volta da capela de Nossa Senhora do Calhau, dedicada à Natividade de Nossa Senhora e chamada pelo nome de Conceição de Baixo, uma vez que, a meados do século XV, foi mandada construir por João Gonçalves Zarco uma capela numa elevação da cidade que ficou conhecida como a Conceição de Cima, sendo mais tarde ampliada e remodelada para servir de capela conventual às Clarissas que aí tiveram a sua primeira comunidade.

A vila do Funchal crescia e o aumento dos seus habitantes tornava necessária a construção duma Igreja de maiores dimensões a par de um planeamento dos principais edifícios públicos tendo em vista uma possível elevação da vila a cidade, o que realmente aconteceu em 1508. Para isso, foi designado um espaço que era propriedade do Duque D. Fernando, pai de D. Manuel e chamado de «chão do Duque». Quando foi entregue a D. Manuel, duque de Beja, a administração da Ordem de Cristo, a Madeira passou para a sua jurisdição e ele pôs logo em curso um plano de urbanização da cidade do Funchal onde se incluía a construção, no então «campo do Duque», «duma Igreja e praça e casa do Concelho». Em Novembro de 1485 o chão foi medido e delimitado o lugar para a nova Igreja. O Concelho tomava à sua responsabilidade pagar o terreno para estas construções, assim como custear a construção das naves e da torre da futura Igreja, ficando o Duque D. Manuel com a obrigação de construir a capela-mor e as capelas contíguas. Vários decretos e cartas de D. Manuel tiveram por objectivo criar receitas para as obras da Igreja grande até que, em 1493, ele escreveu à Câmara e aos madeirenses dando ordem para começar a obra: «Eu determinei agora de se começar e meter logo mão na Igreja que tenho ordenado de se fazer nessa vila, sentindo assim por serviço de Deus, bem e honra de todos vós».

As obras de construção da Igreja iniciaram-se em 1493 ao ritmo que era possível manter graças ao financiamento, quer da Câmara, quer de D Manuel que, entretanto, assumira o trono de Portugal. Alguns documentos que constam de cartas trocadas entre as autoridades da Câmara e o rei D. Manuel revelam que, no ano de 1500, a obra da construção da Sé estava parada por falta de verbas e por um certo cansaço do povo quanto às taxas criadas para prosseguir as obras da Igreja. O rei mostra contudo a sua determinação em levar as obras da Igreja até ao fim e, de facto, em 1508, elas já estavam na fase final.

A nova Igreja, futura Sé do Funchal, foi benzida solenemente por D. João Lobo, Bispo titular, enviado à Madeira pela ordem de Cristo nos últimos meses de 1508 para exercer as funções do seu ministério episcopal. O Cº Jerónimo Dias Leite escreve que o vigário de Tomar enviou à Madeira «um bispo de anel», «o primeiro que entrou na ilha», o qual se dedicou no tempo da sua estadia a «crismar e dar ordens, e executar todos os ministérios competentes ao bispo, enquanto o não era o dito vigário».

Nesse mesmo ano de 1508, a sede da Paróquia que tinha como pároco Frei Nuno Cão foi transferida da Igreja de Nossa Senhora do Calhau para a nova Igreja, embora esta ainda se encontrasse em construção. Provavelmente não tinha todos os tectos completamente prontos e faltavam alguns pavimentos. Contudo, com o crescimento da população do Funchal, a capela de Nossa Senhora do Calhau revelava-se cada vez mais pequena para as necessidades do culto, sendo o espaço ainda inacabado da «Igreja grande» um lugar mais amplo para as celebrações litúrgicas.

Alguns historiadores estimam que o culto da nova Igreja paroquial deverá ter começado em 1512 ou 1513, altura em que a documentação disponível dessa época começa a chamá-la de Sé. Sabemos que em 1512 o retábulo do altar-mor já está em construção.

A 12 de Junho de 1514, pela bula Pro excellenti proeminentia, o Papa Leão X criava a diocese do Funchal e nomeava como seu primeiro bispo o «grão prior» de Tomar, prelado que nunca chegou a vir à Madeira.

Em virtude das determinações desta bula, o vigário da Igreja de Nossa Senhora, agora catedral e os quinze clérigos beneficiados que o ajudavam foram feitos Cónegos, constituindo-se assim o primeiro cabido da Sé, composto pelas seguintes dignidades: Deão, Arcediago, Chantre, tesoureiro.

Neste ano, as obras da Sé ainda continuavam uma vez que em resposta a uma carta de frei Nuno Cão, Pároco da Sé, escrita em Agosto de 1514 e na qual ele pedia a D. Manuel que determinasse como seria o acabamento da torre, o rei respondia que o coruchéu se fizesse de «ladrilho e não de madeira e de fora com seus azulejos» que seriam encomendados numa oficina de Sevilha.

O cadeiral do Cabido e o retábulo da capela-mor foram provavelmente terminados nos anos que medeiam a criação da Diocese e a dedicação da catedral em 1517. Sabe-se, através duma conta de meados de 1517, que nesta data ainda faltavam concluir alguns detalhes da construção, lajear as capelas, colocar uma grade no baptistério.

No dia 18 de Outubro de 1517, dia da festa do evangelista S. Lucas, D. Duarte, bispo de Dume sagrava o altar da Sé do Funchal em honra de Nossa Senhora e dos 11 mil mártires. Este bispo tinha sido enviado à Madeira por D. Diogo Pinheiro para exercer o seu ministério no que fosse necessário ao bem do povo de Deus. Sabe-se que crismou, conferiu ordens sacras e deu um regimento à Sé que não chegou até nós.

O documento com a precisão da data da sagração encontrava-se no altar mor da Sé junto com as relíquias dos mártires. O altar manuelino de forma muito simples e talhado em pedra da Arrábida é suportado por uma coluna quadrada. Entre a tampa e o pé do altar existia uma pequena caixa de madeira com o pergaminho da sagração e as referidas relíquias. Nele estava escrito em latim o breve memorial da sagração que transcrevemos:

"No ano do Senhor milésimo quinquentésimo décimo sétimo, no dia 18 do mês de Outubro (18 de Outubro de 1517), Eu, Duarte, bispo de Dume, consagrei a Igreja e o altar-mor em honra da Santíssima virgem Maria e nele encerrei as relíquias de dez mil mártires. Concedemos a cada um dos fiéis que hoje a visitem, um ano de indulgência na forma costumada da Igreja e, do mesmo modo, 40 dias àqueles que o fizerem no dia da consagração. Duarte, bispo de Dume."

As relíquias são, de facto, dos dez mil mártires e a pedra, vinda da torre de santa Bárbara, foi extraída do monte Sinai.

Convém referir que, em 1523, S. Tiago menor foi escolhido como padroeiro da diocese do Funchal e a ele foi confiada a protecção da cidade em caso de peste ou de outra catástrofe.

Sabemos que a capela lateral que está à direita da capela-mor e que hoje comunica com o exterior por uma porta, capela conhecida como a de Nossa Senhora do Amparo e actualmente de N. Senhora de Lurdes, foi anteriormente dedicada a S. Tiago. Aliás, a devoção a S. Tiago andava ligada à de S. Roque que também possuía uma capela na Sé. Os dois santos foram associados na protecção contra a peste.

Cónego Vítor dos Reis Gomes